Algares do cabeço dos Alecrineiros XXVII


Ribeiro, José: 1,2; Lopes, Samuel: 1,4;Rodrigues, Paulo: 1,2,3

1)- – Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua Maria Veleda, 6, 7ª Esq, 2560-218, Amadora, Portugal 

(2)- Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares 

(3)- Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia 

(4) Wind -CAM- Centro de Actividades de Montanha, Rua Eduardo Mondlane, lj44, 2835-116 Baixa da Banheira

Introdução

Aos poucos vamos regressando e dando continuidade ao nosso projeto, não tem sido fácil lutar contra esta pandemia, mas assim tem de ser e não nos podemos deixar vencer.

A natureza está a recuperar do ultimo grande incêndio aqui nos Alecrineiros, dando um toque muito bonito a toda a zona. Sempre que podemos fazemos prospeção e fruto desse trabalho apresentamos os trabalhos efetuados nos algares e promessas de algares: Algar do Par Desconfinado, Buraco da Oliveira, Algar da Cobra, Buraco da Crista, Algar do Já se Vê e Algar das Gajas de Sicó.

Figura 1 – Localização dos algares, tendo como referencia o estradão assinalado com seta a vermelho, que provem do cruzamento conhecido, na zona, como “Os 4 caminhos”.

Adverte-se também e mais uma vez que para sua protecção e da própria cavidade o espeleólogo tem de ter obrigatoriamente formação!!!

Algar do Par Desconfinado

Tínhamos terminado o trabalho no algar do Jalles, sobrou um pouco de tempo e fomos verificar as coordenadas de alguns algares que encontramos numa prospeção feita anteriormente e chamou-nos a atenção uma pequena depressão rodeada de carrasco queimado, dando a ideia que antes do incêndio seria muito difícil de ser detetado. O acesso é difícil, mas ali estava ele a nossa espera.

Figura 2,3 – Zona e entrada do algar do Par Desconfinado (Fotos de Filipe Castro – GEM).

Descrição:

Num lapiás com alguma elevação uma pequena depressão e abre-se o algar à superfície. Tem aproximadamente 1,5m X 1,5m, a SSO, parede lisa já na restante área, tem que se ter alguma cautela pois é um pouco instável.

Segue-se poço de 36m, após alguns metros alarga e bastante no sentido NO-SE, onde se percebe uma clara descontinuidade, poço que tem paredes lisas mas que vai sendo preenchido com formas de reconstrução parietais na sua descida. A base não sendo uniforme tem cerca de 2m, na sua zona mais larga e quase 9m, de comprimento, inclinação é no sentido SE, sendo de muito bloco, cascalheira e alguma argila. Verifica-se pequena abertura no sentido NE, completamente fechada com muitas formas de reconstrução. Verificaram-se algumas ossadas de algum cabrito que ali caiu.

Apesar de a base ser fria não se verificou qualquer possibilidade de continuação, pois deve estar muito entulhada, terminando aqui o nosso trabalho de campo.

Geologia:

A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma família de fraturas de direção grosseira NW – SE, com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW – SE e inclinação suave para Sul . A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aire, datada do Batoniano do Jurássico Médio. A gruta apresenta caneluras de dissolução. A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, a, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.

Presente:

Tínhamos tanta esperança neste algar e chegamos lá abaixo como em tantos outros e olhem “morremos na praia”, bom mas valeu bem a pena pois o poço é brutal e já esta cadastrado e aqui por nós apresentado.

Figura 4,5 – Planta e perfil desdobrado do Algar do Par Desconfinado.

Planta do Algar do Par Desconfinado em pdf para download

Perfil desdobrado do Algar do Par Desconfinado em pdf para download

Ficha de equipagem do Algar do Par Desconfinado em pdf para download

Fotos do Algar do algar do Par Desconfinado (Fotos: José Ventura – GEM).

Buraco da Oliveira

Este fica mesmo perto da estrada, dentro de um chouso, quando o identificamos estava carregado de salamandras, tem cerca de 3m, de profundidade e fica aqui o registo. Sendo as coordenadas (WGS 84)  39.50854ºN  8.81427ºW.

Figura 6,7 – Foto da envolvente e da entrada do Buraco da Oliveira (Fotos de Filipe Castro – GEM).

Algar da Cobra

Demos -lhe este nome pois quando o avistamos vimos uma cobra que por ali passava e que depressa se escondeu sem nunca mais a vermos, também não estávamos muito interessados…..

Figura 8 – Foto de entrada do Algar da Cobra (Foto de José Ventura – GEM).

Descrição:

Numa fenda (se assim lhe podemos chamar), bem visível à superfície, encontra-se a boca do algar. Tem aproximadamente de 0,5m X 0,5m, encontram-se ali uns calhaus bem entalados. Segue-se poço de 21 m, alarga logo a seguir à entrada, mas voltando a estreitar um pouco sensivelmente a meio da descida. Nota-se no sentido SO, pequenas fendas com ocos durante a descida.

A base do poço é pequena, havendo espaço apenas para um espeleólogo, é de cascalho encontrando-se um bom bloco. No sentido SO, pequena fenda onde se verificou trabalho de desobstrução (não sabemos por quem).

Segue-se poço de 4m, inicialmente muito estreito mas alargando de seguida. A base é de cascalho e argila, estamos numa pequena sala, com cerca de 2m X 2m de teto irregular e com pequena inclinação no sentido SO. No mesmo sentido pequena passagem já com formas de reconstrução e com inclinação no sentido contrario a progressão, terminando numa chaminé de 4m.

Geologia:

A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma família de fraturas de direção grosseira NE – SW, com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW – SE e inclinação suave para Sul . A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aire, datada do Batoniano do Jurássico Médio. A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, a, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.

Presente:

Na realidade este até deu mais do que aquilo que nós pensamos, verificamos que alguém efetuou um trabalho de desobstrução, também verificamos uns spits muito velhos na entrada, mas no Cadastro Nacional de Cavidades, nada…….

Figura 9,10 – Planta e perfil desdobrado do Algar da Cobra.

Planta do Algar da Cobra em pdf para download

Perfil desdobrado do Algar da Cobra em pdf para download

Ficha de equipagem do Algar da Cobra em pdf para download

Buraco da Crista

Por ali andávamos a “bater terreno”, uma fenda grande e ao lado este buraco com cerca de 3 m de profundidade, que indica que aqui por de baixo pode haver um oco, quem sabe….

Figura 11,12 – Foto da entrada e interior do Buraco da Crista (Fotos de Filipe Castro – GEM), sendo as coordenadas (WGS 84)  39.50695ºN  8.81293ºW.

Algar Já se Vê

Estava mesmo ali perto, alias toda aquela zona cheira a algares!!! Verificamos mais tarde que alguém por aqui tinha andado, não sabemos quem, olhem é mais um……

Figura 13,14 – Foto da entrada e zona envolvente do Algar Já se Vê (Fotos de Marco Matias – GEM).

Descrição:

Num belo campo de lapiás uma descontinuidade bem visível, uns blocos ali entalados e abre-se o algar à superfície, mesmo por de baixo dos blocos após um pequeno ressalto de m. A entrada tem cerca de 1m X 1m, sendo simpático, mas abrindo um pouco mais abaixo. Segue-se poço de 15 m, onde se percebe agora a descontinuidade que forma o algar, sendo esta no sentido ONO – ESE.

Nas paredes observam-se algumas formas de reconstrução mas já muito velhas, parecendo até que algumas se desfazem. A base do poço é composta por vários blocos e cascalheira tendo uma ligeira inclinação no sentido ESE. Ai na zona mais a ESE, verificamos duas fendas, uma por cima de outra que se prolongam alguns metros, mas sendo impossível sem desobstrução a progressão, ambas estão identificadas na topografia.

Já na zona mais a ONO, voltamos a encontrar duas fendas que se ligam e inclusive também se consegue aceder a esse pequeno oco por desobstrução efetuada, não sabemos por quem na parede a SO. Zona identificada na topografia, sendo muito estreita a progressão.

Verificamos também que este algar apesar de pequeno alberga muita vida como se pode observar nas fotografias.

Geologia:

A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma família de fraturas de direção grosseira NW – SE, com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW – SE e inclinação suave para Sul . A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aire, datada do Batoniano do Jurássico Médio. A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, a, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.

Presente:

Algar interessante, este foi explorado debaixo de alta trovoada e muita chuva, assusta bastante ver as faíscas a cair e nós ali carregados de metal, enfim….

Já esta mais um que fica no Cadastro e aqui por nós partilhado!!!!

Figura 15,16 – Planta e perfil desdobrado do Algar Já se Vê.

Planta do Algar Já se Vê em pdf para download

Perfil desdobrado do Algar Já se Vê em pdf para download

Ficha de equipagem do Algar Já se Vê em pdf para download

Fotos do Algar do algar Já se Vê (Fotos: Marco Matias – GEM).

Algar das Gajas de Sicó

Bom muita historia tem este algar, quando o encontramos, estávamos a caminho do algar Já se Vê. É bem visível no percurso pedestre que ali passa e com aquele varão queimado, ainda mais. Demos-lhe logo o nome, mais tarde verificámos que as coordenadas são as do algar da Moita. É o nome que está no Cadastro Nacional de Cavidades, mas a historia não fica por aqui.

Existe uma publicação no blog do N.A.L.G.A., que fala da sua descoberta numa atividade do GPS – Grupo Protecção Sicó e AESDA – Associação de Estudos Subterrâneos e Defesa do Ambiente, em 2006, tendo a descoberta sido feita por Cláudia Neves e Rita Lemos (ambas sócias do GPS).

Podem ver essa publicação seguindo o link:

Figura 17,18 – Foto da entrada e zona envolvente do Algar das Gajas de Sicó (Fotos de Teresa Cardoso – GEM).

Descrição:

Junto a um percurso pedestre, uma fenda no chão e abre-se o algar à superfície, a fenda se assim lhe podemos chamar, tem a direção O-E, tem cerca de 1m X 0,5m, desce 2m e estreita (mesmo já tendo sido alargado um pouco). Abre logo de seguida, observa-se de imediato pequeno patamar no sentido NO, com chaminé que quase liga à superfície. O poço tem 35m, com um pequeno bloco entalado que serve de patamar, sensivelmente a meio, tem formas de reconstrução e quase a chegar à base tem pequeno tramo no sentido ESE. Este pequeno tramo segue no sentido ENE, é muito bonito e termina num pequeno poço com formas de reconstrução. Mais abaixo a base é de blocos, cascalheira e argila.

Na base no sentido ESE, duas aberturas no chão que dão acesso a rampa de 4m, e seguida esta zona divide-se em 3 pequenos tramos. No sentido N, zona onde se anda bem com desnível no mesmo sentido, alguns blocos, cascalheira, poucas formas de reconstrução terminando uns metros à frente. No sentido ESE, desnível no mesmo sentido, alguns blocos, cascalheira e algumas formas de reconstrução, terminando alguns metros a frente. Por fim no sentido ONO, pequena passagem com muita argila e cascalheira no seu inicio, mais a frente abre um pouco, alguns blocos, segue em pequenas rampas com argila e cascalheira e termina numa pequena fenda de cascalheira e argila identificada na topografia.

De novo na base do poço de 35m e agora no sentido NO, passagem por debaixo de grande bloco que divide a passagem, zona de muitas formas de reconstrução e muito bela, com alguma argila e blocos subindo no sentido NO. A frente abre-se uma salão de boas dimensões e de grande beleza. O salão desenvolve-se inicialmente no sentido NO, tendo logo ali um poço de 4m de boa largura que liga a zona inferior. De seguida desenvolvesse também no sentido SSO, toda a zona é coberta de formas de reconstrução e de grande beleza, o teto é irregular tal e qual o chão com alguns blocos de boas dimensões, zonas de patamares e muita calcite. Existem vários pontos de comunicação com a zona inferior, sendo a maior na zona mais a SSO. Ai temos acesso a um poço de 5m que foi o acesso ao nível inferior, percebemos de imediato que é uma zona de caus de blocos que liga em vários pontos ao salão, tudo é muito irregular, com muito bloco, cascalheira e argila com alguns pequenos poços que afunilam e fecham com cascalheira e argilas. Não foi verificada nenhuma possível passagem, terminando ai a nossa exploração.

Geologia:

O poço de entrada é “um vadose shaft” de acordo com a definição de Baroñ, 2003, formado por infiltração de água a partir do epicarso ( a zona mais superficial, alterada e logo mais permeável do maciço cársico), tratando-se basicamente de fracturas alargadas pela corrosão da água de infiltração. O  poço é estruturalmente controlado por fracturas de atitude N60W/vertical e N40W/vertical. A gruta encontra-se no estado velho segundo a classificação de Bögli,1980. A génese da sala é menos clara, o caos de blocos resultante do abatimento do tecto, segundo as superfícies de estratificação horizontal (que funcionam como superfíces de fraqueza), alteraram o aspecto original da sala. Pode-se considerar a hipótese de se tratar de uma zona de confluência de vários “vadose shats” entretanto abatidos, ou mesmo de um troço de um antigo colector, apesar de não terem sido encontrados vestígios de origem freática da sala. A sala apresenta pelo menos em algumas zonas controlo estrutural pelas mesmas famílias de fracturas do poço de entrada, a saber N60W/vertical e N40W/vertical, a direcção de desenvolvimento da sala, NW-SE, sugere que estas fracturas poderão até desempenhar um papel predominante no controlo da sala.

A gruta desenvolve-se segundo a Folha 27- A da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50000 na formação de Calcários Micríticos da Serra de Aire datados do Batoniano (Jurássico Médio).

A atitude das camadas é próxima da horizontal.

Presente:

Foi graças ao conhecimento de todos os espeleólogos que partilharam o seu conhecimento sobre este algar que nos fez ali chegar. Melhoramos um pouco a topografia feita na altura com outros “instrumentos” e foi um prazer enorme verificar uma beleza única e uma sensação que só quem aqui vem a compreende……

Figura 19,20 – Planta e perfil desdobrado do Algar das Gajas de Sicó.

Planta do Algar das Gajas de Sicó em pdf para download

Perfil desdobrado do Algar das Gajas de Sicó em pdf para download

Ficha de equipagem do Algar das Gajas de Sicó em pdf para download

Fotos do Algar do algar das Gajas de Sicó (Fotos: Paulo Lopes e Teresa Cardoso – GEM).

Neste final de publicação quero agradecer a persistência de dois camaradas, o Rui Pina e o Pedro Fazenda, que conseguiram ao longo destes dois últimos anos, apesar das restrições que a pandemia tem trazido, abrirem finalmente a passagem no Algar de Boca Larga V, sim esse onde iniciamos os trabalhos em 2018 e se percebia aquela grande corrente de ar aos -60 m. Aguardem o que para ai vem…….

Abraço e até a próxima.

Texto: José Ribeiro    Geologia: Paulo Rodrigues.

~ por josechourico em 10 / 08 / 2021.

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