Alguns apontamentos de geologia sobre a Lapa da Ovelha (Some geological notes regarding Lapa da Ovelha (Sheep’s cave))
Rodrigues, Paulo:1,2,3
1)- Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua General Pereira de Eça, n.º 30, Alcanena
2380-075 ALCANENA
(2)- Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares
(3)- Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia, Estrada Calhariz de Benfica, 187, 1500-124 Lisboa
Email de correspondência: paulor2005@yahoo.com
Resumo: A Lapa da Ovelha é uma gruta que se desenvolve, na Costa de Minde, em calcários da formação de Barranco do Zambujal (Jurássico Médio). O desenvolvimento da gruta é provavelmente controlado pela atitude das camadas (atitude N40-60W/40SW). A gruta formou-se na zona freática com a água a circular de norte para sul (em direção à boca da gruta) que com a descida relativa do nível de base, passou para a zona vadosa inativa. A descida do nível de base estará associado à movimentação tectónica.
Abstract: Lapa da Ovelha is a cave developed, on a highly slope (Costa de Minde), in limestones of Barranco do Zambujal formation (Middle Jurassic). The cave’s development is likely controlled by the layer’s attitude (N40-60W/40SW). The cave was formed in the phreatic zone, groundwater circulating from north to south (towards the cave entrance).Thanks to the relative descent of the base level, the cave passed to the inactive vadose zone. The base level descent is associated with tectonic movement.
Palavras-chave: Lapa da Ovelha, Polje, Minde, Gruta freática, Espeleogénese, Tectónica.
Keywords: Lapa da Ovelha, Polje, Minde, Phratic cave, Sepeleogenesis, Tectonic
English version below
Introdução
Durante alguns anos este levantamento geológico esteve “na gaveta” e chegou agora a hora de ver a luz do dia. O levantamento topográfico foi realizado pelo Grupo de Espeleologia e Montanhismo, em 2016, com os trabalhos de campo liderados por José Ribeiro.
Localização
A Lapa da Ovelha situa-se na freguesia de Minde, concelho de Alcanena, distrito de Santarém, na unidade hidrogeomorfológica do planalto de Santo António no Maciço Calcário Estremenho. A gruta desenvolve-se na Costa de Minde, a meia encosta, à cota 430m, com uma boca, que apesar de grande, consegue passar despercebida entre o elevado declive e a vegetação existente.

Figura 1 – Aproximação à gruta. Note-se, ao fundo, o polje de Minde ainda inundado. Foto: Samuel Lopes (WIND).

Figura 2 – Entrada da Lapa da Ovelha. Foto: Samuel Lopes (WIND).
Antecedentes
Esta deverá ser uma das grutas, conhecida há mais tempo, na área, como sugere o nome, o afeiçoamento da entrada, esta cavidade foi usada ou será ainda usada como abrigo para rebanhos de ovelhas e ou cabras. Um croqui do perfil da cavidade foi inclusive publicado por Fernandes Martins,1949.
Enquadramento Estratigráfico e estrutural
A gruta desenvolve-se segundo a Folha 27-A- Vila Nova de Ourém da Carta geológica de Portugal à escala 1/50000 integralmente na formação de Barranco do Zambujal, datada do Aaleniano inferior a Bajociano inferior (Jurássico Médio). A formação segundo Manuppella et al, 2000 é composta por calcários com algum acarreio do tipo quartzoso e argiloso, com os carbonatos a aumentarem da base para o topo da formação. Integra segundo Crispim, 1995, a Formação cársica do Jurássico Médio. Trata-se de uma formação com potencial de casificação elevado.
Do ponto de vista estrutural a Costa de Minde é um espelho da Falha de Alvados-Minde que apresenta no polje de Minde direção NW-SE.
A figura 3 apresenta a localização da gruta num extrato da Folha 27-A – Vila Nova de Ourém da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50000.


Figura 3 – Extrato da Folha 27-A – Vila Nova de Ourém da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50000.
Espeleometria e descrição da gruta
A gruta apresenta um desenvolvimento total de 153m, com um desnível total, de 31metros. A cavidade é composta por uma galeria de diâmetro de ordem de grandeza métrica, que dá acesso na sua zona terminal a um poço com uma profundidade de 20 metros. A galeria tem um padrão meandriforme, com a gruta a desenvolver-se grosseiramente para sul, desviando-se para este e oeste. A gruta termina num caos de blocos, com a continuação obstruída por um abatimento. As figuras 4, 5 e 6 apresentam a planta, perfil estendido e ficha de equipagem da gruta respetivamente.
Figura 4 – Planta da Lapa da Ovelha


Figura 5 – Perfil estendido da Lapa da Ovelha

Figura 6 – Ficha de equipagem da Lapa da Ovelha
Controlo estrutural
A cavidade não apresenta controlo evidente por fraturas. O controlo estrutural está provavelmente associado à atitude das camadas (as atitudes das camadas, medidas no interior da gruta, foi de aproximadamente N40-60W/40SW). A galeria segue alternadamente entre a direção e a inclinação das camadas.
Génese
Pomos duas hipóteses em relação à génese da gruta;
i) A gruta formou-se na zona freática, de acordo com a definição de Bögli, (1980), como evidenciado pela secção arredondada e vagas de erosão existentes na gruta. O controlo estrutural pelas camadas é também típico de grutas de origem freática. A gruta é atualmente um troço fossilizado de um antigo coletor, que com a descida relativa do nível de base, passou para a zona vadosa inativa. A descida do nível de base estará associado à movimentação tectónica, dada a cota elevada a que a galeria da gruta se desenvolve, 430 a 405m e à proximidade à Falha de Alvados-Minde, que de acordo com Cabral e Ribeiro, 1988 é uma falha ativa.
ii) A gruta desenvolveu-se num nível de água suspenso. O nível de água poderá ter ficado suspenso devido à presença de uma camada ou camadas margosas (menos permeáveis). Uma situação semelhante à da gruta da Cova da Velha, que se desenvolve na mesma formação, embora a cotas inferiores. Só que ao contrário do que se passa na Cova da Velho a camada margosa terá sido erodida, pela água e sedimentos que circulavam na gruta, permitindo a infiltração da água em profundidade na formação de Chão das Pias.

Figura 7. Aspeto da secção da galeria. Note-se o aspeto arredondado da parte superior da secção, indicador de origem freática, e a secção em forma de buraco de fechadura. Foto: Samuel Lopes (WIND).
Paleocirculação
As vagas de erosão observadas têm um comprimento que variou entre 0,7 e 1,5m, com o sentido de circulação grosseiro de sul para norte, ou seja em direção à entrada da gruta
Conclusões
A Lapa da Ovelha é uma gruta que se desenvolve, a meia encosta da Costa de Minde, em calcários da formação de Barranco do Zambujal (Jurássico Médio). A gruta tem um padrão meandriforme, sendo composta por uma galeria que na sua zona terminal apresenta um poço. A cavidade tem um desenvolvimento total de 153m, e um desnível de 31metros. O desenvolvimento da gruta é provavelmente controlado pela atitude das camadas (atitude N40-60W/40SW).
A gruta formou-se na zona freática com a água a circular de norte para sul (em direção à boca da gruta) que com a descida relativa do nível de base, passou para a zona vadosa inativa. A descida do nível de base estará associado à movimentação tectónica, dada a cota elevada a que a galeria da gruta se desenvolve, 430 a 405m e a proximidade à Falha de Alvados-Minde.
Agradecimentos
Agradecemos a todo os que participaram nos trabalhos de campo, na exploração e levantamento topográfico: Buno Pais, Florbela Silva, Helena Mafalda, Marco Matias, Samuel Lopes e em particular a José Ribeiro que liderou a equipa de topografia e fez a arte final da topografia. No levantamento geológico a Filipe Castro, Alda Reis e Teresa Cardoso.
Referências Bibliográficas
Crispim, J.A (1995) – Dinâmica Cársica e Implicações Ambientais nas Depressões de Alvados e Minde. Dissertação apresentada à Universidade de Lisboa para a obtenção do grau de Doutor em Geologia, especialidade de Geologia do Ambiente. Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Departamento de Geologia.
Bögli, A. (1980), Karst Hydrology and Physical Speleology, Springer-Verlag, Berlin Heildelberg New York
Manupella, G., Telles Antunes, M., Costa Almeida, C.A., Azerêdo, A.C., Barbosa, B., Cardoso, J.L., Crispim, J.A., Duarte, L.V., Henriques, M.H., Martins, L.T., Ramalho, M.M.; Santos, V.F.; Terrinha. P.; (2000). Carta Geológica de Portugal – Vila Nova de Ourém, Folha 27-A, à escala 1:50000, e Nota Explicativa, Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa.
Martins, Alfredo Fernandes, 1949. – Maciço calcário estremenho: Contribuição para um estudo de geografia física. Coimbra,
J. Cabral e A. Ribeiro, 1988, Carta Neotectónica de Portugal Continental, na escala de 1:1 000 000Categoria: Cartografia, Cartografia em Papel, Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa.
English version
Introduction
For years this geological survey has been “in the work desk” and now it’s time to see the day light. The exploration and topographic survey were carried by Grupo de Espeleologia e Montanhismo, in 2016. Topographic survey led by José Ribeiro.
Location
Lapa da Ovelha is in Minde, municipality of Alcanena, district of Santarém, Portugal in the hydrogeomorphological unit of Santo António plateau, a part of Maciço Calcário Estremenho (Estremadura Limestome Massif). The cave is located on the Costa de Minde, halfway up the slope, at an elevation of 430m, with an entrance that, despite being large, manages to pass unnoticed between the steep slope and the vegetation.

Figure 1 – Approaching the cave. Note, in the background, Minde’s polje still flooded. Photo: Samuel Lopes (WIND).

Figure 2 – Lapa da Ovelha entrance. Photo: Samuel Lopes (WIND).
Background
The cave should be known for a long time, as suggested by the name (Sheep’s cave), and the humanized entrance- This cavity was used or is still used as a shelter for herds of sheep and goats. A sketch of the cavity profile was even published by Fernandes Martins, 1949.
Stratigraphic and structural tectonic
The cave develops, according to Sheet 27-A-Vila Nova de Ourém of the Geological Chart of Portugal at a scale 1/50000, entirely in the formation of Barranco do Zambujal, dating from Lower Aalenian to Lower Bajociano (Middle Jurassic). The formation according to Manuppella et al, 2000 is composed of limestones with some quartzose and clayey component, with carbonates increasing from the base to the top of the formation. It integrates according to Crispim, 1995, the Karst Formation of the Middle Jurassic. A formation with high karstic potential.
From a structural point of view, Minde’s Coast is a fault mirror of Alvados-Minde Fault, that in the Minde’s polje has a NW-SE direction.
Figure 3 shows the location of the cave in an extract from Folha 27-A – Vila Nova de Ourém of the Geological Chart of Portugal at scale 1/50000.


Figure 3 – Extract from Sheet 27-A – Vila Nova de Ourém of the Geological Chart of Portugal at scale 1/50000.
Speleometry and cave description
The cave has a total development of 153m, with a total depth of 31m. The cave is composed by a gallery with a diameter of metric magnitude, which gives access in its terminal area to a pith, 20 meters deep. The gallery has a meandering pattern, developing roughly to south, deviating to the east and west. The cave ends in a chaos of blocks, with the continuation obstructed by a boulder chocke. Figures 4, 5 and 6 show the plan, extended profile and equipment sheet of the cave respectively.

Figure 4 –Lapa da Ovelha plan

Figure 5 –Lapa da Ovelha extended profile

Figure 6 –Lapa da Ovelha equipment sheet
Cave structural control
The cavity has no evident control due to fractures. Structural control is probably associated with the layers attitude (roughly N40-60W/40SW). The gallery direction alternates between the direction and slope of the layers.
Speleogenesis
Two hipothesis are possible:
i) The cave was formed in the phreatic zone, according to Bögli’s, (1980), definition, as evidenced by the cave rounded section and erosion waves found inside the cave. Structural control by layers is also typical of phreatic origin caves. The cave is currently a fossilized section of an ancient groundwater collector. With the relative descent of the base level, it moved to the inactive vadose zone. The lowering of the base level should be associated with tectonic movement, given the high elevation at which the cave gallery develops, 430 to 405m, and the proximity to Alvados-Minde’s fault, which according to Cabral and Ribeiro, 1988 is an active fault.
ii) The cave developed on a perched water level. The perched water level was supported by a malrly layer (less permeable). A situation similar to Cova da Velha cave, which develops in the same formation, altoughn at a lower height. Unlike what happened in Cova da Velha, the marly layer was eroded by flowing water and sediments, allowing the infiltration of water in depth, into a deeper level.

Figure 7. Vision of the gallery’s section. Note the rounded appearance of the upper part of the section, an indicator of phreatic origin, and the keyhole-shaped section. Photo: Samuel Lopes (WIND).
Paleo circulation
The observed erosion waves have a length that varied between 0.7 and 1.5 m, with the direction of former groundwater circulation roughly from south to north, that is, towards the cave entrance.
Conclusions
Lapa da Ovelha is a cave located, halfway down a highly slope, Costa de Minde, in limestone from the Barranco do Zambujal formation (Middle Jurassic). The cave has a meandering pattern, being composed of a gallery with a pit in the terminal area. The cave has a total development of 153m, and a total depth of 31m. The cave’s development is likely controlled by the layers attitude (roughly N40-60W/40SW).
The cave was formed in the phreatic zone with groundwater circulating from north to south (towards the mouth of the cave). Due to a relative descent of the base level, the cave passed to the inactive vadose zone. The descent of the base level should be associated with tectonic movement, given the high elevation at which the cave gallery develops, 430 to 405m, and the proximity to the Alvados-Minde fault.
Acknowledgement
We thank to everyone who joined the fieldwork, cave exploration and topographic survey: Buno Pais, Florbela Silva, Helena Mafalda, Marco Matias, Samuel Lopes and in particular José Ribeiro who led the topography team and did the topography final artwork. In the geological survey we regard Filipe Castro, Alda Reis and Teresa Cardoso.
Bibliographic references
Crispim, J.A (1995) – Dinâmica Cársica e Implicações Ambientais nas Depressões de Alvados e Minde. Dissertação apresentada à Universidade de Lisboa para a obtenção do grau de Doutor em Geologia, especialidade de Geologia do Ambiente. Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Departamento de Geologia.
Bögli, A. (1980), Karst Hydrology and Physical Speleology, Springer-Verlag, Berlin Heildelberg New York
Manupella, G., Telles Antunes, M., Costa Almeida, C.A., Azerêdo, A.C., Barbosa, B., Cardoso, J.L., Crispim, J.A., Duarte, L.V., Henriques, M.H., Martins, L.T., Ramalho, M.M.; Santos, V.F.; Terrinha. P.; (2000). Carta Geológica de Portugal – Vila Nova de Ourém, Folha 27-A, à escala 1:50000, e Nota Explicativa, Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa.
Martins, Alfredo Fernandes, 1949. – Maciço calcário estremenho: Contribuição para um estudo de geografia física. Coimbra,
J. Cabral e A. Ribeiro, 1988, Carta Neotectónica de Portugal Continental, na escala de 1:1 000 000Categoria: Cartografia, Cartografia em Papel, Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa.